sábado, 8 de outubro de 2011

A Fábula dos Inibidores de Apetite

Era uma vez, num Reino chamado Brasil, Três Porquinhos - Femproporex, Anfepramona e Mazindol -, especialistas em moderar o apetite, cinquentões com bastante experiência no tratamento da obesidade. Outros porquinhos já tinham assado na brasa porque foram acusados de efeitos colaterais sérios. Aqueles três não eram perfeitos, mas, bem ou mal, passaram pelo crivo do tempo.

Certo dia, há uns 10 anos atrás, chegou um Cordeirinho chamado Sibutramina, cheio de pompa e luxo, e disse pra eles: "olá, Três Porquinhos, olha como vocês são feios e mal-acabados!" Chamou-os de "filhos da... anfetamina" e outros xingamentos, acusou-os de maltratar os corações das pessoas e de viciar e enlouquecer as suas mentes.
As pessoas, animadas por aquelas palavras, jogaram pedra nos Três Porquinhos e diziam, "que vergonha, viver com essas drogas perigosas, por que você não segue uma dieta direito e não faz exercícios!" e depois corriam para o Cordeirinho. E voltavam a ele. E viviam com ele.
O Cordeirinho foi um SUCESSO, pois oferecia uma segurança nunca antes prometida. Todos o queriam.  E ele tinha MUITOS AMIGOS, além dos endocrinologistas, que os Três Porquinhos nuncam tiveram: os cardiologistas, os ginecologistas, os clínicos, os cirurgiões, alguns psiquiatras... Até alguns pediatras...

Um dia, alguns amigos estrangeiros do Cordeirinho tiveram uma IDEIA GENIAL. Tinha muita gente contra-indicada para tratar-se com ele porque tinha doença cardiovascular. Mas, e se melhorassem da doença através do controle da obesidade? Fizeram um grande estudo e o Cordeirinho, todo orgulhoso, tratou dessas pessoas por cerca de 6 anos seguidos.
Qual não foi a surpresa desses amigos quando os resultados do estudo vieram... Virou escândalo internacional, digno de tablóide: LOBO EM PELE DE CORDEIRO É ACUSADO DE CAUSAR DOENÇA CARDIOVASCULAR.
O Cordeirinho entrou em pânico. "Armaram isso pra mim! Não tenho culpa! Fui obrigado a tratar pessoas que tinham CONTRA-INDICAÇÃO! Vejam, eu continuo aquele Cordeirinho, não sou Lobo Mau, posso continuar a tratar todas as outras pessoas, que não vai ter complicação!"
Tarde demais, não dava para sustentar. O Cordeirinho foi banido nos reinos da Europa, depois dos EUA e de vários outros. Foi abandonado até pelo o alquimista que o criou. Os amigos médicos, mesmo os cardiologistas, escutavam os seus  apelos e nele acreditavam. Mas os reinos distantes não aceitaram os protestos.
No Reino do Brasil, as pessoas fugiam do Cordeirinho. Muitas, desesperadas, apelaram aos Três Porquinhos. Sempre pacientes, acolheram toda gente que antes os renegou. "Essa estória de acusar o Cordeirinho de Lobo Mau vai respingar na gente", pensaram eles.
Mesmo humilhado, obrigado a andar por aí com uma marca "vergonhosa" - uma tarja preta que antes só os Porquinhos tinham -, o Cordeirinho continuou, graças ao apoio dos médicos. Mas o Brasil tem um Reino Louco, que precisava cortar cabeças. "Se os gringos fizeram, deve ser bom." E, como os Porquinhos temiam, não bastava jogar o dito Lobo (injustamente) no caldeirão - o Reino tinha que acabar com a Fábula toda, levando junto OS TRÊS PORQUINHOS. Afinal, acreditavam que "pessoas gordas" não mereciam que lhe contassem essas estorinhas.
Mais que em qualquer outro reino, muitas pessoas no Brasil abusavam dos Porquinhos, mesmo durante a Era do Cordeirinho. E todos sabem que, quando o Reino é falho em coibir o abuso de alguns, quem trabalha direito deve pagar o preço. Além disso, se o Cordeirinho tinha estudos mas revelou suas limitações, os Porquinhos "nem estudos tem". Como se cinquenta anos de experiência nada valessem
Então, Cordeirinho, Porquinhos e médicos se juntaram para defender seus direitos. O DIREITO DE ESCOLHER O MELHOR TRATAMENTO PARA SEUS PACIENTES COM OBESIDADE.
No fim da estória, a corda arrebentou mesmo do lado mais fraco. ASSARAM OS TRÊS PORQUINHOS [1]. E os médicos e os pacientes PERDERAM UM DIREITO - DE ESCOLHA [2]. Pior ainda para os endocrinologistas, que perderam três válidos instrumentos de trabalho, restando-lhes só o Cordeirinho para moderar o apetite. Este REINO LOUCO  só salvou aquele que acusou primeiro, o Cordeirinho que julgou ser Lobo Mau - mas, na dúvida, manteve-o vigiado, cheio de (mais) amarras burocráticas para ser usado.
[1. Agência Nacional de Vigilância Sanitária decide retirar anorexígenos do mercado e manter sibutramina com restrições.]
[2. CFM decide entrar na Justiça contra proibição de anorexígenos pela Anvisa.]

CURIOSIDADE: na Europa, não sobrou nenhum moderador de apetite. Nos EUA,  ainda sobrou um "Porquinho", primo do Femproporex, a Fentermina.

ESPEREM, A ESTÓRIA AINDA NÃO ACABOU. As pessoas ainda vão continuar a correr atrás de estórias de Porquinhos de contrabando ou pílulas de fundo de quintal, sem descrição de composição, com sabe lá quais substâncias proibidas dentro; de plantas mágicas, pozinhos ou óleos milagrosos; de dietas com nomes intrigantes ou novas injeções (até na testa, se precisar) - porém, MAIS OPÇÕES COM ALGUM EFEITO REAL E SEGURO sobre o complexo sistema que regula fome, saciedade e gasto energético vão demorar para surgir.

MORAL DA ESTÓRIA: não se pode ignorar o poder dos preconceitos, no caso, sobre a obesidade.

Engulam essa... Bom apetite!

Um comentário:

  1. Uma amiga que foi sua paciente havia me enviado essa fábula há uns anos e nunca mais me esqueci dele. Hoje, estudante de medicina e também eterna paciente da endocrino por obesidade e sobrepeso compartilho do mesmo sentimento de pesar sobre a retirada desses medicamentos do mercado.

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