terça-feira, 13 de setembro de 2011

"Parece milagre", mas não faz milagre... Liraglutida e revista VEJA

A revista VEJA desta semana trouxe uma matéria sobre um medicamento para diabetes que poderia ajudar na luta contra a obesidade, a liraglutida. Ela está disponível no Brasil desde maio de 2011, e tem como única indicação o tratamento de diabetes. Trata-se de uma boa opção terapêutica, capaz de estimular a produção de insulina no organismo e, inclusive, auxiliar o emagrecimento através da redução de apetite.
A medicação já foi testada como droga anti-obesidade em pessoas sem diabetes e parece eficaz. Entretanto, um longo e grande estudo está em andamento para estabelecer o perfil de segurança e eficácia do produto, antes de obter aprovação dos órgãos reguladores para ser comercializado como "emagrecedor".
O tratamento da obesidade desperta grande interesse e está sempre presente nos diversos veículos de comunicação. Infelizmente, é frequente o sensacionalismo, que desperta também a ilusão das pessoas que enfrentam dificuldade para perder peso.
A matéria de VEJA em si poderia ser mais interessante se não fosse exagerada, a começar pelo título "PARECE MILAGRE!" na capa e a promessa de perder "tantos quilos", como se fosse mais uma dessas revistas de dietas extravagantes...
Eu soube que a revista vendeu como água... Paralelamente, contaram-me que houve tanta procura pelo medicação que esteve em falta em muitos lugares... Bem, muita gente me procurou para saber mais sobre "esse novo remédio de emagrecer" - mas nem isso pode-se dizer da medicação...
Não será a primeira ou a última droga utilizada para uma finalidade não prevista em bula. A decisão pelo tratamento não é errada e depende do critério médico, desde que haja racionalidade para tal uso e segurança para o paciente. Assim tem sido com diversos antidepressivos e outras medicações psiquiátricas usadas contra a obesidade.
E esta prática provavelmente irá aumentar caso se confirme a proibição dos inibidores de apetite no Brasil e maiores restrições à prescrição de sibutramina. Aliás, não creio ser mera coincidência - a matéria ser publicada na semana seguinte ao anúncio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) de que logo marcará reunião pública para tomar a decisão final.


Transcrevo a seguir o posicionamento da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) sobre a matéria da revista.:

SBD e posicionamento sobre liraglutide e revista VEJA

A revista VEJA publicou uma reportagem, sendo inclusive matéria de capa, sobre uma medicação: a liraglutide (nome comercial: Victoza). Nesta reportagem relatam: “PARECE MILAGRE! Um novo remédio faz emagrecer entre 7 a 12 quilos em apenas cinco meses.”
O liraglutide, é um fármaco sintético, e tem como ação primária aumentar as ações de hormônios intestinais como o GLP-1, que apresentam várias ações benéficas no organismo, principalmente no controle do metabolismo da glicemia agindo na biomodulação do glucagon e da insulina no pâncreas de pacientes diabéticos.
Esses dados foram comprovados em diversos estudos clínicos, o que permite colocá-lo como mais uma interessante arma no controle da glicemia nos portadores dessa doença. Portanto, até o momento, essa é a única indicação disponibilizada pelas diversas agencias reguladoras em todo mundo: o tratamento da hiperglicemia em portadores de diabetes tipo 2.
Além destes efeitos, estudos têm sinalizado para que esses fármacos também apresentem ações sacietógena central, redução na velocidade do esvaziamento gástrico e motilidade intestinal, levando, com isso, a perda de peso inicial nos diabéticos estudados.
Droga similar já existe a cerca de cinco anos, chamada Exenatide (nome comercial: Byetta). A liraglutida apresenta algumas diferenças para o exenatide, entre elas a vantagem de aplicação única diária, e uma perda de peso maior. Esta perda de peso é inferior ao que foi mostrado na reportagem.
O fator mais importante é que esta medicação foi lançada para tratamento de Diabetes tipo 2, associada à mudança de estilo de vida, e não para tratamento de obesidade. Quanto ao uso desse medicamento em obesos não diabéticos, os estudos são ainda escassos, se restringem a poucos pacientes, além de serem de curta duração. Estudos mais abrangentes encontram-se em curso, o que permitirá no futuro às agencias reguladoras e mesmo às Sociedade Médicas a possibilidade de avaliar de forma prudente e madura sobre a eventual indicação para o tratamento da obesidade.
O próprio laboratório responsável pela liraglutide no Brasil está enviando nota para as entidades e aos médicos deixando claro este posicionamento.
Este padrão de matéria cria vários problemas, como:
  1. Estimula uma fantasia na cabeça do paciente que existe uma medicação milagrosa que faz emagrecer rápido, inclusive desestimulando adequados hábitos alimentares e de exercício físico.
  2. O paciente procura o médico apenas para querer a prescrição, não valorizando inclusive doenças concomitantes associadas ao excesso de peso
  3. A lei da oferta e procura lança o preço para valores exorbitantes. Em Belo Horizonte está em R$ 394.00 reais e o estoque esgotado, com previsões de reposição somente para daqui a uma semana.
  4. Existem estudos para o uso da medicação em obesos, ou pelo menos IMC ≥ 27, mas ainda estão em andamento. Precisaremos no mínimo mais um ano para tomar conhecimento dos resultados, inclusive se haverão efeitos colaterais importantes.
  5. Estamos vendo uma repetição do que foi feito no passado com outras drogas que ofereceram uma mágica, obtiveram uma imensa venda no início e com o tempo foram retiradas do mercado, ou praticamente não são mais prescritas.
  6. Portanto, a Liraglutida não está indicada no momento para uso em obesos não diabéticos.
A Sociedade Brasileira de Diabetes condena propagandas como esta, com um alto grau de sensacionalismo, aproveitando populações portadoras de problemas de saúde que podem levar a baixa estima, e por serem ávidos de soluções, se transformam num público fácil de serem persuadidos.
Matérias como esta prestam um desserviço aos pacientes, e dificultam o trabalho de quem realmente deseja, baseado em ciência, prestar reais benefícios a quem necessita.
Saulo Cavalcanti
Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes

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