sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Estagio Atual do Tratamento Cirurgico do Diabetes tipo 2

Notícia publicada em: 18.01.2011
Autor: Professor Perseu Seixas de Carvalho

Veja este excelente artigo do Professor Perseu Seixas de Carvalho, Colaborador Cientifico do Portal elomedico:

O Diabetes do tipo 2 é uma doença extremamente prevalente e vem aumentando de forma alarmante em todo o mundo, constituindo-se em uma verdadeira epidemia.
Por conta de sua extrema morbi-mortalidade, principalmente relacionada com as mortes por causa cardio-vascular, além das complicações renais, oftálmicas e neurológicas o diabetes tipo 2 tem se tornado uma enorme fonte de gastos para os sistemas de saúde, além das implicações sociais, pessoais e familiares, já que vem acometendo e reduzindo a expectativa de vida de indivíduos de faixa etária relativamente jovem e ainda economicamente produtiva.

Em termos de fisiopatogenia a doença se baseia na presença de uma resistência periférica à insulina, na incapacidade das celulas pancreáticas produtoras de insulina em compensar esta resistência e em algumas outras condições como um defeito na secreção de alguns peptídeos gastrintestinais que atuam no pâncreas estimulando a secreção de insulina, bloqueando a secreção do glucagon e provavelmente interferindo na neo-formação e apoptose das células beta, insulino-secretoras.

Uma série de medicamentos anti-diabeticos, orais e injetáveis, estão agora disponíveis para o tratamento da doença. Entretanto, ainda assim, existem uma serie de dificuldades no controle adequado da mesma, e até nos países mais desenvolvidos o numero de pacientes que atingem os parâmetros adequados de controle é absolutamente decepcionante.

Em 1995, um cirurgião norte americano, Walter Pories, publicou um trabalho com um titulo desafiador: Quem poderia imaginar? Uma cirurgia prova ser a mais efetiva terapia para o diabetes mellitus do adulto. Esta publicação derivou da observação do cirurgião sobre 146 pacientes diabéticos tipo 2, obesos mórbidos, que haviam sido, entre outros tantos pacientes de sua série, submetidos à cirurgia bariátrica pela técnica da gastroplastia com by pass intestinal em Y de Roux – conhecida como cirurgia de Fobi-Capella. Nos 146 pacientes diabéticos foi observada uma normalização dos níveis glicêmicos, na ausência de qualquer medicação, em cerca de 121 individuos (83%). Logo a seguir, uma serie de publicações de diversos cirurgiões mostraram resultados semelhantes ou até melhores que a publicação pioneira.
Isto desencadeou uma série de estudos e polemicas, principalmente com a observação de que muitos pacientes melhoravam seus níveis glicêmicos quase que imediatamente à cirurgia, antes que a perda de peso fosse sequer iniciada, o que levou à conclusão que fatores independentes da perda de peso estariam envolvidos na melhora. Daí a questionar se os diabéticos não obesos poderiam ser beneficiados, foi um passo. Desta forma, atualmente, uma enorme discussão se desenrola em torno das seguintes questões:
1- Qual o ponto de corte – IMC – adequado para indicar a cirurgia num DM2?
2- Qual o melhor tipo de cirurgia?
3- A cirurgia é uma opção melhor que o tratamento clínico?
4- O que ocorre após a cirurgia: cura? remissão? ou controle?
Em resolução nº 1942/2010, publicada no Diario Oficial da União – DOU – de 12 de fevereiro de 2010, seção I p. 72, o Conselho Federal de Medicina – CFM – normatiza as indicações e procedimentos cirúrgicos aceitos para tratamento da obesidade e suas comorbidezes, incluindo o diabetes tipo 2.
Os procedimentos aceitos são:
• A) RESTRITIVOS
• 1- BALÃO INTRAGÁSTRICO
• 2- GASTROPLASTIA VERTICAL BANDADA OU CIRURGIA DE MASON
• 3- BANDA GÁSTRICA AJUSTÁVEL
• 4- GASTRECTOMIA VERTICAL

• B) CIRURGIAS DISABSORTIVAS
• Essas cirurgias, derivação jejuno-ileal e suas variantes de atuação puramente no intestino delgado, ESTÃO PROSCRITAS em vista da alta incidência de complicações metabólicas e nutricionais a longo prazo. PELO EXPOSTO, NÃO MAIS DEVEM SER REALIZADAS.

• C) CIRURGIAS MISTAS
• 1- CIRURGIAS MISTAS COM MAIOR COMPONENTE RESTRITIVO
• Esse grupo de cirurgias compreende as diversas modalidades de derivação gástrica com reconstituição do trânsito intestinal em Y de Roux.
• CIRURGIA REGULAMENTADA: cirurgia de gastroplastia com reconstituição em Y de Roux.

• 2- CIRURGIAS MISTAS COM MAIOR COMPONENTE DISABSORTIVO
• CIRURGIAS REGULAMENTADAS: a) cirurgia de derivação bílio-pancreática com gastrectomia horizontal (cirurgia de Scopinaro)
b) cirurgia de derivação bílio-pancreátrica com gastrectomia vertical e preservação do piloro (cirurgia de duodenal switch).

Em relação às indicações, a posição do CFM se manteve inalterada em relação à resolução anterior, de 2005, conforme se vê no texto abaixo:
• INDICAÇÕES GERAIS
• Pacientes com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 40 kg/m2.
• Pacientes com IMC maior que 35 kg/m2 e afetado por comorbidezes (doenças agravadas pela obesidade e que melhoram quando a mesma é tratada de forma eficaz) que ameacem a vida, tais como diabetes tipo 2, apneia do sono, hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronariana, osteo-artrites e outras.

Desta forma, o CFM não reduziu o IMC para os portadores de diabetes nem considerou como aceitas as cirurgias tipo Exclusão duodenal, interposição ileal e outras que vem sendo propostas. A posição se assemelha à da American Diabetes Association – ADA – e do Instituto Nacional de Saude do Reino Unido – NIHCE:
• IMC > 35
• Na ausência de controle adequado após tentativas de tratamento farmacológico e MEV enfatizando a necessidade de seguimento permanente e da realização de estudos bem desenhados que possam comparar a cirurgia bariatrica com tratamentos não cirurgicos.
Em março de 2007 um grupo de cerca de 53 profissionais, endocrinologistas, diabetologistas, cirurgiões e pesquisadores de área básica, reuniram-se em Roma, Itália para uma conferencia de consenso. O evento foi chamado 2007 Diabetes Surgery Summit e tirou algumas posições, considerando como consenso o que tivesse mais de 70% de aprovação entre os presentes:

• 1- Todas as operações bariatricas melhoram o DM2, entretanto, só algumas delas apresentam os critérios para defini-las como operações anti-diabéticas (100%).
• 2- Modificações anatomicas de várias regiões do trato GI parecem contribuir para a melhora do DM2 através de distintos mecanismos fisiológicos (83%).
• 3- O bypass GI pode melhorar o DM2 por mecanismos que estão além da mudança na ingestão alimentar e do peso corporal (98%).


• 4- A cirurgia GI pode ser apropriada para tratamento do DM2 em pacientes que sejam candidatos a operação com IMC entre 30 e 35 e que estejam inadequadamente controlados pela terapia medicamentosa e mudanças de estilo de vida(82%)
• 5- A colaboração entre endocrinologistas, cirurgiões e investigadores de ciencias básicas deveria ser encorajada para facilitar o entendimento dos mecanismos pelos quais o trato GI regula o metabolismo, e para permitir o uso desses mecanismos para melhora do DM2(100%)

Por outro lado, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariatrica e Metabólica, durante o 1º Congresso Panamericano de Cirurgia do Diabetes Tipo 2, em 16 de novembro de 2009, definiu sua posição em relação a situação, com as conclusões abaixo, considerando consenso o que obtivesse mais de 75% de aprovação.

1 – Cirurgia gastrointestinal (Derivação Gastrojejunal em Y de Roux, Banda Gástrica Ajustável e Derivações Biliopancreaticas) DEVEM ser consideradas nos algoritmos de tratamento de diabéticos com IMC maior ou igual a 35 kg/m2, que não são bem controlados com modificações de estilo de vida e tratamento clínico

Alternativas cirúrgicas PODEM ser consideradas como opções adequadas para tratar diabéticos tipo 2 não controlados com IMCs entre 30-35 kg/m2. Nesta população a DGJRY parece ser até o momento a opção mais adequada.

a) SIM ------------------------------ 97%
b) NÃO ------------------------------ 3%


Aqui sem dúvida vai uma crítica aos algoritmos das Sociedades de Diabetes nacionais e internacionais, que preferem ignorar a opção cirúrgica e sequer a mencionam, preferindo tomar posições discutíveis, na defesa de medicamentos que logo se apresentam de segurança no mínimo duvidosa e são até mesmo retirados do mercado.

2) Embora procedimentos "novos", como a gastrectomia vertical, exclusão duodenal, transposição ileal e procedimentos endoluminares, demonstrem resultados PROMISSORES para o tratamento do diabetes tipo2 em estudos clínicos iniciais, eles devem NO MOMENTO SEREM REALIZADOS SOMENTE EM PROTOCOLOS APROVADOS POR COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA LOCAIS E, SE NECESSÁRIO, NACIONAL.

a) sIM ------------------------------------ 88%
b) NÃO ----------------------------------- 12%

Posição semelhante ao do CFM.
3) Estudos randomizados e controlados são encorajados com o objetivo de comprovar utilidade de operações sobre o trato gastrointestinal para tratar o DM tipo 2.
a) SIM ------------------------------------- 94%
b) NÃO ------------------------------------ 6%


4) Pesquisas em diabéticos com IMCs abaixo de 30 kg/m2 são prioritárias.
a) SIM --------------------------------------------------- 84%
b) NÃO --------------------------------------------------- 16%

A maior critica em relação ao tratamento cirúrgico para o DM2 é que os estudos são na sua imensa maioria, retrospectivos. Poucos estudos prospectivos existem. Um dos poucos foi feito pelo grupo da Unicamp, realizando a cirurgia denominada exclusão duodenal, proposta pelo cirurgião italiano Francisco Rubino, que a realizou em ratos Goto Kazizaki, ratos magros, geneticamente diabéticos, obtendo remissão do diabetes.
O grupo da Unicamp realizou a cirurgia em cerca de 17 pacientes com DM2 e com IMC entre 25 e 30, comparando com um grupo pareado e tratado clinicamente. A conclusão do estudo foi a seguinte:

PARA IMC < 30 KG/M2 – REVERSÃO OU CURA – ZERO
50% RETORNARAM PARA INSULINA APÓS UM ANO DE FOLLOW-UP
50% PERMANECEM MAL CONTROLADOS COM ANTIDIABETICOS ORAIS.
NENHUM PACIENTE ALCANÇOU HEMOGLOBINA GLICADA ABAIXO DE 7% APÓS A CIRURGIA
 
[OBS. DO BLOGUEIRO: SOU COLABORADOR DESTE ESTUDO DA UNICAMP E ESTES RESULTADOS SE REFEREM ESPECIFICAMENTE A ESTA TÉCNICA CIRÚRGICA EXPERIMENTAL, QUE NÃO FOI MAIS APLICADA DEPOIS DESSES RESULTADOS. ATUALMENTE, SÃO UTILIZADAS A GASTROPLASTIA COM RECONSTRUÇÃO EM Y DE ROUX ("BYPASS GÁSTRICO")  E A DERIVAÇÃO BILIOPANCREÁTICA DE SCOPINARO, COM RESULTADOS BASTANTE POSITIVOS, ESPECIALMENTE COM A ÚLTIMA ]

Por outro lado indicações cirúrgicas em casos de diabetes tipo 2 analisados de forma inadequada podem levar a resultados insatisfatórios conforme chama a atenção artigo recentemente publicado:

From bariatric to metabolic surgery in non-obese subjects: time for some caution

• LADA (Late Autoimunne Diabetes of Adult) responde por cerca de 10% dos casos de diabetes entre 35 e 55 anos deidade. Pode eclodir em indivíduos com peso normal, sobrepeso ou obesidade.
• A falência de células beta, embora de forma lenta, é progressiva e a grande maioria evolui para insulinoterapia.
• As cirurgias bariátricas tem eficácia inadequada nesta forma de DM.

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